segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Nossa fada ruiva: Amallia

 

Sérgio Azevedo Fotos


No dia 4 de janeiro de 2021, ela me enviou uma mensagem dizendo que infelizmente não ia poder fazer o intensivo (ela queria há muitos anos fazer e havia pré reservado sua vaga) porque precisava priorizar o financeiro.  Passou-se uns dias, escrevi a ela sobre uma possiblidade e ela então decidiu fazer. Uma outra mensagem emocionada, segundo ela, depois de chorar muito, conseguiu me escrever, tinha vivido muitas coisas nos últimos dias e estava muito grata, para ela era como um "sinal" de que estava no caminho certo e devia continuar. 

A ruiva, que já foi minha aluna e foi um dos demônios do Auto da Barca do Inferno que montamos, chegou radiante. Aberta, disposta e vulnerável. Há um tempo ela fez algumas escolhas decisivas em sua vida, agora é terapeuta e tem escrito e publicado muitos videos sobre suas ideias e verdades. A cena individual dela foi algo estarrecedor. Costas largas, pesadas, segurando o peso do mundo. Aqui vi a fada presa. A fada cansada, a fada que não conseguia mais voar.  A fada que mal conseguia com o peso das próprias asas, a fada que não conseguia mais ver beleza no próprio jardim. Choro. Soluço. Intervenho na cena de abraçar e afagar as costas. Fazer cena com as costas que diziam tanto. Ela estava triste e sua tristeza inundou a sala. As lágrimas saiam das costas e formavam poças imaginárias. Sentimos com ela o mal estar que vem do êxtase de não caber na vida dos dias. Quando nem o dormir ajuda. 

No fim da cena, vemos o renascer das asas das borboletas, ou da fada, ou do que você quiser chamar. Ela se recusa a ser vencida. Levanta. Ela está viva, vai alçar mais um voo. Entrega. Como se ela arrancasse das costas, das suas profundezas as raízes desse sufocamento. Desse abafamento. A dor contida que ela nutriu, as feridas que abriu, sangraram uma a uma. Jorraram! A caminhada é longa, sofrida mas é vivida. Ser mestre de si mesmo é a mais difícil e dolorosa das Artes. É tão fácil falar do outro, "resolver"no outro, aconselhar o outro, usar metáforas no outro. Mas e a gente? E quando nos olhamos de verdade no espelho ou somos obrigados a fazê-lo? O que sobra dos cacos? Nos cortamos com os estilhaços? Convulsionamos? Caímos? Ficamos? Pedimos ajuda? Difícil pedir ajuda quando nem nós sabemos do que precisamos, não é? Mas tentar é o grande passo para a conquista. Amallia tenta e no outro dia nos brinca com uma cena consciente, usa seus movimentos, não convulsiona mas toda a sua verdade está ali, agora ócio criativo. Metamorfose linda de se ver e sentir.

Onde reside o segredo de uma imaginação que põe o ator em pé de igualdade com os tormentos do príncipe Hamlet ou com as desgraças de Édipo? Responde Goethe: "Se eu já não tivesse carregado o mundo em mim por pressentimento, com olhos abertos teria permanecido cego."









Uma palavra para Amállia: existência


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