terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Cleiton: nosso pintor do mundo

 

Sérgio Azevedo Fotos


Eu conheço o Cleiton há mais de 20 anos, já trabalhamos juntos em diversos espetáculos, somos escorpianos profundos e temos muitas histórias pessoais vividas e celebradas. Ele participou do segundo ator e sua verdade em 2013 no Teatro Casa de Pedra. Desta vez, foi um dos últimos que se inscreveu, teve que mexer na grade de horários pois estava trabalhando e precisava se liberar. Só não conseguiu se liberar da apresentação de domingo de manhã,  a qual saiu e voltou para o encerramento.

Ele trocou a música, se emocionou muito durante os exercícios, desde o princípio, estava ali muito presente, muito ele, muito entregue. Na sua cena individual riu e chorou e disse que não sabia o que fazer... no outro dia vimos ele com seu pincel imaginário pintando o mundo, colorindo o mundo, nos dando um banho de energia e cores. 

Todos que vem para o intensivo já costumam entrar em processo criativo antes, costumo dizer que ao "aceitar e se inscrever" automaticamente o processo interno começa a se preparar para externar o que precisa. Muitas vezes a pessoa nem sabe o que é, sente. Tenta desmentir, fugir, se boicotar, mas acaba cedendo. Foi a primeira vez que vi o Cleiton sem máscaras, sem boicote, sem autodefesas. Ele estava ali apenas, mesmo com seu humor ácido e debochado, vi ele muito "limpo" no sentido de simplesmente "estar". Acompanhei os processos e mudanças dele pessoais nos últimos tempos, na pandemia tivemos algumas ideias loucas que colocamos em prática juntos e que nos renderam boas risadas e vinhos e papos e confidências...

Há um tempo ele vem pintando camisetas de um forma muito particular, tem um traço homogêneo e tem conseguido boas parcerias para divulgar seu trabalho, lindo por sinal, muito particular. Ele segue pintando o mundo, abraçando a vida, entendendo os tombos, as perdas, se liberando do que não foi, do que não é como ele quer, e desde então, tem sofrido menos, vivido mais. Qualidade de  vida, menos quantidade. As feridas começaram a cicatrizar, e talvez como Frida Kahlo que pintava sua dor colorida, ele começou a encontrar nos seus traços um novo caminho, um novo viés de ser quem se é, sem querer agradar.

Já escrevi e dirigi peças para ele, infantis, adultas, mas hoje, talvez escrevesse algo infantil, "O menino que pintava o mundo", algo nessa linha... acho que até existe algo com esse nome. Vejo um menino em corpo adulto. Sobre um menino, que de tanto sentir, sentia o mundo diferente. Via cor onde não havia, via poesia onde todos estavam de olhos vendados... um menino especial, diferente, que tinha como maior tesouro o amor de seus pais. Se tudo escurecia ele desenhava como as crianças aprendem: um sol com sorriso largo. Se tudo entristecia, ele misturava suas tintas e "pingava" alegria fazendo um caminho de cores. Vejo esse menino puro nele, guardado numa caixa especial com acesso a poucos, raros. O mais puro amor e afeto ainda permanece intacto. Mesmo ele doado tanto sem nada receber...

Se fosse algo adulto, talvez pegaria as cartas de Van Gogh ao irmão e faria um monólogo a ele, com pouco fala, porque ele tem dificuldade para decorar texto, mas sempre se esforça. Gente do teatro como eu, como o Cleiton e tantos outros, mesmo que viva fora do teatro, só vive para o teatro. Somos infelizes se não vivemos nossa Arte, o nosso ofício, e mesmo fora de cena muitas vezes, buscamos arte nas pequenas coisas, porque ela sempre reverbera em nós. Até o acaso nos inspira, assediamos o desconhecido para fazermos o que viemos ao mundo fazer: ARTE!





"Apesar de tudo, me levantarei novamente: Voltarei ao meu lápis, que abandonei durante meu grande desânimo, e continuarei com meus desenhos."
(Van Gogh)


Uma palavra para Cleiton: estrelas







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