quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Nosso "dottore": Jonathan

Sérgio Azevedo Fotos


O Jonathan é um ex aluno do Estúdio de muitos cursos. O coelho da Páscoa Bartolomeu da Escola de Coelhos que escrevi em 2018 para a Páscoa em Nova Petrópolis e nos divertimos muito fazendo. Fazia um tempo que não o via,  agora está ruivo e brincava que era para oficializar ser "irmão"da Amállia, sua amiga ruiva, selando a irmandade de coração.

Ele também foi um dos primeiros que se inscreveu para o intensivo deste ano, um dos primeiros que me mandou seu depoimento pós curso, um dos muitos que nos emocionou. Aquela alma de criança pura, crescida num corpo adulto, mas não preso. Uma gargalhada que ressoa, nos faz ter vontade de rir junto. O irmão que a gente quer ter, para rir, confidenciar, cuidar, apertar, pedir colo e chorar. 

Na sua cena individual, literalmente seu corpo se transformou no "Dottore"ou "doutor" da Commedia dell'arte, pelo menos foi o que senti e vi. 
Na commedia dell'arte estão em jogo as grandes trapaças da natureza humana: fazer acreditar, iludir, aproveitar de tudo; os desejos são urgentes; os personagens, em estado de "sobrevivência". A commedia dell'arte é uma arte da infância. Passa-se muito rapidamente de uma situação a outra, de um estado a outro. Dottore, além de sua máscara característica e seu físico específico é o personagem que sabe tudo e não conhece nada.
Jonathan entra em cena como dottore, punhos cerrados, "crava os pés no chão"e desaba. Desaba em choro infantil convulsivo, de criança que fez algo errado e pede desculpas. O corpo totalmente articulado, a voz embargada. Um monólogo cheio de emoção. Eu vi o personagem da commedia dell'arte fisicamente, mas Jonathan não pensou nele ao entrar em cena, apenas sentiu o desconforto de não saber o que fazer e deixou o vazio o guiar. Difícil entrar em cena sem "saber o que fazer". Totalmente desconfortável, "desnudo"e honesto consigo. Do seu monólogo veio um amor incondicional a amiga/irmã, um abraço e uma cena linda, que a gente só acha que acontece nos filmes da extinta sessão da tarde.

No outro dia, consciente, usou a ideia do personagem dottore, e fez uma cena exatamente oposta, de comédia. Pegou sua dor, transmutou, criou, riu, usou o físico do personagem e criou um coveiro. Talvez a autópsia tenha sido nele mesmo, abriu o próprio coração na frente de pessoas desconhecidas não é para qualquer um, ouso dizer, não é nem para qualquer ator. Num dia choramos com ele, no outro rimos e nos deliciamos com sua criação. Para mim, o mais importante foi o processo, o processo que levou a esse produto final criativo. A caminhada vale mais que chegar ao topo da montanha e contemplar a vista. A caminhada te cansa, te machuca mas te torna mais forte. Mais preparado para tudo.

Na commedia dell'arte as relações são imutáveis. Sempre haverá servidores e patrões. A ideia não é mudar a sociedade mas mostrar a natureza humana em sua comédia feita de trapaças e de comprometimentos, indispensáveis à sobrevivência dos personagens. Os personagens sempre dão um jeito, o seu jeito!

Jontahan também deu o seu jeito para enfrentar os dramas da vida, que não foram poucos. Também teve a humildade de pedir desculpas com verdade, de abandonar barcos que já não o levavam a lugar algum. De buscar em si tudo o que precisava. Sem querer ele fez um personagem absolutamente fiel a ideia da commedia dell 'arte no domingo, comicamente. Rimos muito. Rimos com ele, "não dele" como outros já o fizeram o machucaram profundamente.  Mas como os animais (que cada personagem da commedia segue um instinto) lambemos as feridas para cicatrizar mais rápido, levantamos, com a mão estendida dos amigos/irmãos de verdade e seguimos. 

A meia máscara do dottore remete ao porco, animal de quintal, domesticado.  Cada um com seu papel social, neste caso a baixa corte da época,  dentro do jogo que a commedia dell'arte impõe. Só não eram ridicularizados os detentores do poder absoluto. Tanto que os enamorados, os nobres e cavaleiros não usavam máscaras. Jonathan tem entendido duramente o jogo da vida, decidiu tirar a sua máscara para agradar muitos e ser ele, naturalmente ele.




 












Uma palavra para o Jonathan: TRANSFORMAÇÃO


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